Depois de um incêndio também é antes de um incêndio. André Varela, candidato da CDU, não assume as suas responsabilidades

A primeira vez que fiz uma publicação que apelava ao apoio das vítimas e iniciei um projeto de reflorestação em Monchique foi depois do grande incêndio, em 2003. Fui visitar os proprietários da herdade Covão da Águia, com mais de 60 hectares, floresta, casas e ruínas, que havia sido comprada no dia 5 de setembro de 2003 sem que se pudesse saber que o terreno iria arder uma semana depois. Foi um milagre não ter ardido a casa – não se registaram feridos – e, portanto, fui encontrar-me com os novos proprietários – dois monges budistas – no meio da sua floresta completamente ardida para perguntar se poderia ajudar na limpeza do terreno. Simpaticamente, convidaram-me a entrar na casa e ofereceram-me uma chávena de chá. De certa forma éramos vizinhos. Portanto, tirei os sapatos, entrei na sala e sentei-me no sofá que me indicaram. Depois, começámos a falar.

Porque estou a escrever isto? Porque Monchique é um lugar onde se colhe o que se semeou. Naquela altura, ainda não sabia que esses monges geriam a fundação Dalai Lama de Portugal. Fiquei sensibilizado pela sua atitude. Tinham vivido momentos terríveis. Queria mostrar-lhes que não estavam sozinhos, e que o amor pelo próximo existe, na realidade. Constataram-no com indiferença.

Houve uma pergunta que me colocaram duas vezes nesse mesmo dia: por que motivo pretendia iniciar esse projeto? Qual seria o meu proveito pessoal em iniciar um projeto de reflorestação depois dos catastróficos incêndios? Perguntaram diretamente: O que ganhas com isso? Foi a pergunta que me dirigiram os monges e os lenhadores que estavam lá fora. A ambos respondi: porque me dá alegria e porque o sei fazer. Os monges compreenderam-me de imediato. Mas os lenhadores de Monchique ainda acrescentaram: E quem é que te paga? Não compreendi logo a questão e retorqui: O que queres dizer com isso? Especificaram: bem, deves ter algum proveito. Foi nesse momento que compreendi como as coisas funcionam em Monchique. De certa forma estava a retirar-lhes trabalho. Para eles, a entreajuda não existia. O trabalho era para ser pago, e ponto final.

Depois de um incêndio também é antes de um incêndio

André Varela, candidato da CDU, não assume as suas responsabilidades

Depois de um incêndio, a natureza está em estado de choque. As árvores estão quebradas a torto e a direito, como depois de um acidente. Há pássaros e outros animais, como javalis e ovelhas, todos mortos pelo chão. Tudo está carbonizado, e há que abrir caminho para poder chegar ao local. O melhor é contratar um ou vários lenhadores para abrir caminho pela floresta queimada. Eles tratam de cortar tudo com motosserras e retiram o que se pode aproveitar: galhos de sobreiro ou medronheiro, troncos de pinheiro manso e mato de urze e tojo. Depois do meu apelo publicado no jornal apareceram 20 homens e 2 mulheres, tudo pessoas que eu não conhecia, mas que eram leitores do meu jornal. Apresentámo-nos. Todos tinham a sua motosserra e tencionavam juntar lenha para o inverno. No apelo, tinha indicado que iria haver muita madeira para recolher. Todos iriam poder juntar lenha para o inverno, gratuitamente, ajudando a limpar o terreno das árvores ardidas. Depois de algumas horas olhámo-nos e tivemos vontade de rir. Parecíamos limpa chaminés. Mas cada um tinha tratado de uma árvore e juntado a sua lenha. Os que tinham atrelados começaram a carregá-la. Normalmente os silvicultores têm que contratar um, ou vários lenhadores, e pagar pelo trabalho, à hora, para que a lenha seja cortada e entregue ao proprietário da plantação. Neste caso, o trabalho era voluntário, e a recompensa era a lenha que se podia levar para casa. Gratuitamente.

Os monges serviam chá e sorriam muito. Tinham lenha suficiente para si e não se importavam de compensar os trabalhos com a mesma. Eles não tinham que pagar nada e nós recebíamos lenha gratuitamente. Tínhamos combinado reflorestar a área ardida com espécies autóctones no inverno…. Selecionámos as espécies, escolhendo o sobreiro e o pinheiro manso, o cedro e o cipreste. E, por isso, encontrámo-nos muitos sábados para trabalhar no Eden do Dalai Lama de Monchique. Por volta do final do ano começámos a instalar os tubos de rega do tanque até às pequenas árvores.

Tinha começado a segunda fase. Os lenhadores tinham desaparecido discretamente, pois não queriam participar na plantação das jovens árvores. Já só eramos cinco. Foi a minha primeira lição quanto à ajuda comunitária em Monchique. Mesmo assim, houve quem persistisse. Duas senhoras já de idade vieram muitos sábados ajudar a plantar árvores, apreciando também a companhia. Depois de umas horas de trabalho fazíamos uma pausa para tomar um café e um medronho, e elas fumavam um cigarro com boquilha. Passámos a conhecer-nos melhor. Por vezes, os monges traziam bolachas nos intervalos.

A incapacidade para o luto. Foi algo que notei logo à partida. Todos evitavam o tema do luto e do trauma dos incêndios. Mas ele estava presente com todo o seu peso, marcando o caminho, repetindo: se quiserem alcançar a vossa meta, têm que entrar de luto pela perda da natureza. Têm todos que se expressar sobre o que perderam e o que vos falta. A maior parte de nós não conseguia. Continuavam o seu dia a dia como se nada fosse. Depois de algum tempo, quando a confusão na floresta estivesse arrumada, queriam olhar o futuro sem processar o passado. Era doloroso demais, diziam alguns. O luto implicaria uma análise das razões que levaram ao incêndio, o que poderia aumentar a dor ainda mais. Portanto, ficou tudo na mesma até ao incêndio de 2018. Era de esperar, e todos pareciam estar já a contar com ele… uma espécie de saudade. Quem passou por cinco ou seis incêndios tem cicatrizes profundas e protege-se da melhor maneira. Mas a capacidade para o luto é outra coisa.

Resumindo, e observando os danos, contabilizando cada detalhe, concluímos que há algo que não está bem em Monchique. No fundo, todos o sabem, mas não falam nisso. Temos que levantar a voz e pensar nisto em conjunto. A natureza não é algo que se possa expressar em valor monetário. Não há dinheiro que possa substituir a floresta. Todos sabem bem disso. Uma casa pode ser avaliada, mas como atribuir um valor a uma árvore? Inicia-se uma discussão sobre se a árvore ainda pertence ao terreno ou pertence ao terreno vizinho – o melhor é comprá-la, para não ser abatida. Truques sem sentido.

Vamos ser sinceros. Uma árvore tem um enorme valor imaterial. A sua beleza serve o turismo de natureza. Que valor dar à sua sombra? E às raízes, que regulam o lençol freático? O que pagar pelos frutos e por nos proteger do vento? Os seguros nada pagam pelas árvores. O seguro só cobre a casa e o seu recheio, uma mangueira, um chapéu de sol. Mas a natureza é impagável. É por isso que o prejuízo depois de um incêndio florestal é enorme. Os danos são também imateriais. Por exemplo: perdeste 289 sobreiros. A última vez que foram descascados foi há cinco anos – e voltariam a ser descascados daqui a outros cinco. Há cinco anos renderam-te 29.000 euros, e agora não terás rendimentos daqui a cinco anos. Mas o que vale a árvore? Ela precisa de 30 anos para poder dar cortiça pela primeira vez e depois, em Monchique, é descascada de dez em dez anos. E por não ser descascada de nove em nove anos, como em outros casos, a cortiça também tem mais valor.

Há muitos idosos a falecer depois de um incêndio. Reparo bem em todas as doenças que aparecem depois de um episódio desta natureza. O meu vizinho Carlos faleceu com cancro no inverno de 2018. Um dos vizinhos suicidou-se. A floresta morre e o Ser-Humano morre com ela.

As vidas do Ser-Humano e da floresta andam de mãos dadas no seu percurso circular com as estações do ano. Mesmo que neguemos ter alguma ligação emocional para com a floresta, esta, na realidade, toca-nos e marca-nos profundamente. Há uma questão em aberto que temos que abordar. Aproximamo-nos indiretamente, nas pontas dos pés e com cuidado. A pergunta é: Qual é o significado da floresta para nós? Qual é o significado da floresta para o Ser-Humano?

Uma floresta queimada é negra e pensar em todos esses seres falecidos escurece-me a alma. Porque, para mim, uma árvore é um amigo verde que me acompanhou durante muitos anos. Não consegue fugir. Está plantada no seu posto, e o seu valor é inestimável. Por exemplo, o sobreiro de 2.000 anos em Corte Grande que ninguém se lembrou de proteger durante o incêndio… o seu valor é inestimável. E, sendo assim, por que razão deixá-lo sofrer com as leis do mercado, do capitalismo, as leis empresariais e de alta finança, que plantaram uma floresta de eucalipto a 250 metros para vender a tonelada de eucalipto a 16,75 euros? Em comparação, uma arroba (15 kg) de sementes de alfarroba rende 17 euros. Por que razão medimos o peso de uma árvore, transformamo-la em madeira, reavaliamos novamente para que venham com a motosserra, de tempos em tempos, para a abater e vender? Por que a Navigator precisa de fazer papel e o IKEA precisa de mesas e cadeiras? Especulação com árvores para quê? Eucaliptos sim, oliveiras não. Não se consegue suportar essa contradição. Ela tem que ser resolvida. Temos que nos afastar da monocultura que impõe o mercado para chegar à biodiversidade em prol da natureza. Temos que processar o luto pela perda de uma árvore, de uma floresta, para compreender o que temos que fazer. A floresta é proteção ambiental. Não pode ser transformada em dinheiro. Não podemos abater as árvores vivas pois são amigas do Homem. Determinam o clima, transformando o CO2 em oxigénio. Não se planta árvores para as abater alguns anos depois, mesmo quando se trata de uma monocultura que ameaça a natureza. Não se deve plantar na densidade de um eucalipto por metro quadrado. Ele é um perigo para toda a vizinhança. O eucalipto arde de forma perigosa devido aos seus óleos. É uma árvore de crescimento rápido que, após o terceiro ano de vida, retira diariamente 60 litros de água do solo. Porque, entretanto, todos o sabem, empresas como a Navigator procuram outras argumentos. Dizem que o eucalipto é bom para o clima por crescer depressa e absorver muito CO2. Mas não mencionam que num incêndio em que arde uma área de 1 km2 de floresta de eucalipto são libertadas 20.000 toneladas de CO2 na atmosfera.

E esse risco dos incêndios florestais só é aceite – é um risco que é assumidamente aceite – para satisfazer os interesses dos produtores de pasta de papel e porque gera dinheiro sem muito trabalho, apesar de sabermos que é altamente inflamável e mau para o solo da floresta. É este o contrassenso que tem que ser abordado pelos políticos nestas eleições autárquicas. É uma questão sensível. Assumirão uma postura clara ou irão mentir?

A ECO123 convidou o político André Varela (CDU) para dar se manifestar sobre as medidas propostas para travar os incêndios, mas este não compareceu à entrevista. Não aceitou ser entrevistado. Não abraça a possibilidade de responder sinceramente a uma pergunta bem concreta. Aceita apenas responder por escrito. Diz serem temas incómodos. Pelos vistos, receia uma abordagem frontal, em conversa direta. Este político, que pretende vir a ser Presidente da Câmara de Monchique, deixa escapar uma oportunidade histórica para poder alcançar nestas eleições, para o partido que representa, mais do que 4,07%, ou seja, mais do que os 140 votos alcançados em 2017. A ECO123 quer perguntar-lhe qual a sua posição quanto ao tema da floresta em Monchique e como pensa travar os incêndios. A pergunta justifica-se. É uma questão que todos os cidadãos de Monchique querem ver solucionada pelos seus políticos. André Varela, porém, exige que a ECO123 coloque todas as questões primeiro por escrito. É o único candidato que não aceita as questões de forma profissional, faltando à entrevista. Sábado, dia 28, às 9 horas, esperámos no restaurante Rouxinol. Ele, porém, não compareceu diante da imprensa. Às 9h45 voltámos aos nossos escritórios. Em Monchique, todos colhem apenas o que semearam.

Uwe Heitkamp (60)

jornalista de televisão formado, autor de livros e botânico por hobby, pai de dois filhos adultos, conhece Portugal há 30 anos, fundador da ECO123.
Traduções: Dina Adão, Tim Coombs, João Medronho, Kathleen Becker
Fotos: Uwe Heitkamp, Stefanie Kreutzer, dpa

Processo

Convocatória

Caros membros, amigos, interessados e cidadãos

O dia da verdade está a aproximar-se. O grande incêndio florestal que deflagrou em Monchique na sexta-feira 3 de agosto de 2018, devastando durante uma semana 28.000 hectares de terreno, foi realmente desencadeado por uma linha de alta tensão da EDP (15 kV) na Perna da Negra?

Em caso afirmativo, como alega a Polícia Judiciária após 18 meses de investigação forense, o Ministério Público de Portimão, dentro de alguns dias, acusará a EDP Distribuição SA de violação do Decreto Regulamentar 1/92 DRE, Artigo 28, Secção 3. Segundo a lei, a EDP Distribuição SA é obrigada a cortar a vegetação entre 7,5 e 22,5 metros de distância à direita e à esquerda das suas linhas elétricas para que nenhuma árvore possa tocar nas linhas elétricas e assim provocar incêndios florestais.

Que consequências legais e económicas isto pode ter para Monchique e que oportunidades de intervenção isto pode criar para a nossa associação Monchique Alerta será discutido numa sessão de informação extraordinária para os associados e aberta a todos os interessados. Ocorrerá na sexta-feira 20 de março às 19 horas na Cooperativa Agrícola do Concelho de Monchique, Pé da Cruz (2º andar). Convidámos o Advogado, Rui Amores, da Sociedade de Advogados, R.L., Mascarenhas, Amores & Ass. de Portimão. Ele vai responder às suas perguntas. As perguntas devem ser enviadas por email até quarta-feira, 18 de março às 18 horas, para garantir que serão incluídas nesta reunião crítica.

Entrada: a partir das 18h30, Início: 19h00 pontual, Fecho: 21h00

Associação Monchique-Alerta, Serra livre de Incêndios insurge-se contra tomada de posição da EDP

A EDP Distribuição SA é responsável pela manutenção das suas linhas elétricas, incluindo as que passam exclusivamente por florestas e onde a eletricidade é transportada por longas distâncias. Estamos a falar de um total de 28.600 km de linhas de alta e média tensão em Portugal. Por lei, a EDP é obrigada a podar todas as árvores, à direita e à esquerda das suas linhas de energia, entre 7,5 e 22,5 metros de cada lado, dependendo do tipo de linha e tensão, para evitar contacto e faíscas que possam causar incêndios florestais.

Tanto o incêndio florestal em Pedrógão Grande (2017), como os incêndios florestais em Monchique, um ano depois, foram causados pelo vento e pelo contacto de árvores com linhas de eletricidade (15 kV). O incêndio no concelho de Monchique (2018) deflagrou na sexta-feira, 3 de agosto, às 13h32 em Perna da Negra, 12 km a Norte de Monchique. Durante sete dias as autoridades lutaram contra o mesmo. Foi o maior do ano em toda a Europa! Este é o resultado de um ano e meio de investigações forenses e dos interrogatórios levados a cabo pela Polícia Judiciária de Portimão a todos os diretamente envolvidos no local. O relatório do observatório técnico independente para a Assembleia da República também chega a esta conclusão. (Página 21 Final_Relatório_Monchique.pdf)

O Professor Dr. Domingos Xavier Viegas, da Universidade de Coimbra, e a sua equipa de especialistas analisaram igualmente todos os grandes incêndios florestais em Portugal durante um período de mais de 40 anos, tendo verificado que dois em cada três incêndios florestais em 2018 foram causados pelo contacto das linhas da EDP Distribuição com eucaliptais. (Visão, 2-6-2019, Hugo Séneca)
A associação Monchique-Alerta, Serra livre de Incêndios, que representa mais de uma centena de cidadãos de Monchique, portugueses e estrangeiros, lesados pelo incêndio florestal de 2018, expressa hoje a sua total confiança nos investigadores policiais e do Ministério Público de Portimão. Temos a certeza que estas entidades não cedam às tentativas da EDP de negar a sua responsabilidade.

A Polícia Judiciária e a Justiça, representada pelo Ministério Público, estão a trabalhar de forma independente e consciente, interrogando os arguidos da EDP e
os moradores da Perna da Negra como testemunhas. O incêndio florestal destruiu 27 000 hectares de terrenos florestais e agrícolas e mais de metade da fauna e flora do concelho de Monchique, incluindo 74 casas. Chegará o momento da EDP reconhecer a sua responsabilidade e de se aproximar das vítimas com vista a aceitar eventuais pedidos de indemnização, para que Monchique possa finalmente receber Justiça, e para que os seus habitantes possam ser pagos pelos danos materiais e prejuizos económicos, para que se possam replantar florestas com espécies arbóreas nativas. A associação Monchique-Alerta continua a lutar por um Monchique e por um Portugal sem fogos.

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A direcão, Monchique, 20 de fevereiro de 2020
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info@monchique-alerta.org
Telefone +351 967 1959 30

Uma árvore precisa de tempo para crescer & Entrevista José Chaparro

Uma árvore precisa de tempo para crescer

de Uwe Heitkamp, Editor da revista ECO123

Temos o dever de nos preocupar em conciliar concretamente a ecologia e a economia? Os incêndios florestais são horríveis, mas as áreas ardidas, depois de superado o choque e o trauma, também significam uma enorme segunda oportunidade. Uma floresta diversa leva muito tempo a crescer, mas é muito importante. Muitas das florestas vítimas do calor e do fogo nos últimos anos resultaram da ideia de floresta como fator comercial para gerar lucros rápidos. É algo que está a mudar, quer a indústria queira ou não. As boas notícias são: em Monchique, monoculturas de eucalipto começam a ser substituídas por florestas diversas. Começa a haver silvicultores que reconhecem que na floresta não se aplicam as leis da economia de mercado. Em muitos países do Sul da Europa, assistimos ao que acontece quando nos deixamos levar pela ganância e pela ignorância. Arde tudo. Pretendia-se criar muita madeira, de forma rápida. Madeira para a construção, para queimar e para a produção de papel. O eucalipto e o pinheiro eram as espécies mais promissoras para os proveitos rápidos e, por isso, foram plantados em larga escala. Durante as duas últimas gerações, ninguém se preocupou com a gestão da água, a sustentabilidade e a resiliência, e muito menos com o aquecimento global.

As plantações novas com espécies mais resistentes, em diversidade, só ficam visíveis depois de várias décadas. Mas quem quiser criar uma floresta robusta e sustentável e tiver como intenção travar os incêndios, não poderá ignorar essa transformação – abandonando as plantações em monocultura de larga escala para ir ao encontro de florestas diversas e sustentáveis. Assim, defendem-se os interesses de quem irá herdar as florestas e terá que as tratar, em oposição aos produtores de papel, que na floresta só vêm uma fonte de recursos. Uma floresta também merece ter a sua beleza.

Portanto, a floresta tem que ser completamente alterada e voltar a ser um espaço natural. Porque menos monoculturas (acácia e eucalipto) a destruir o lençol freático significam um retorno do equilíbrio natural na gestão da água na natureza. O objetivo da redução dos incêndios é prioritário. É para isso que precisamos de mais floresta com espécies de folha caduca e mais diversidade. Cada vez mais vozes defendem essa exigência. Os objetivos do novo “Green Deal” são agora uma oportunidade única para tornar a floresta mais resiliente no futuro e receber para esta transformação apoios. Uma floresta que, no Sul da Europa, há já muitos séculos não é virgem.

Tudo aponta para que seja vantajoso substituir a vertente comercial pela proteção natural da floresta em grande parte das áreas de Portugal (e também da Grécia, de Itália, de Espanha). Todo o silvicultor deve ponderar bem a forma de substituir o eucalipto: por exemplo, pela produção de energia limpa, que tem muita procura e apoios. Que tal substituir dez por cento da área ardida por painéis fotovoltaicos? Ou por olival tradicional para a produção de azeite de alta qualidade, misturando a plantação com outras espécies igualmente tolerantes à falta de água: alfarrobeiras, figueiras, amendoeiras, loureiros e castanheiros. Mas a floresta também pode simplesmente alegrar a alma, criar sombra e ser um habitat diverso. É aqui que entram o sobreiro e o medronheiro. Ao fim e ao cabo, trata-se sempre da coexistência entre o Homem, os animais e a floresta, e de um aproveitamento sustentável e cuidado da natureza. As florestas são um ecossistema valiosíssimo para o nosso país. São parceiras fiéis e imprescindíveis, de incalculável valor, no entanto, encontram-se ameaçadas.

É por isso que a ECO123 irá questionar os candidatos às autárquicas acerca das medidas que propõem para travar os incêndios e para transformar a economia local, dependente de uma monocultura, diversificando-a. Quais são as suas ideias? Em causa está a salvação do meio ambiente em que vive a Humanidade. Os incêndios destroem o meio ambiente e são os maiores inimigos do clima e da atmosfera do nosso planeta. Segundo dados da FAO e da UNO, um quilómetro quadrado de floresta, quando queimada, emite 20.000 toneladas de CO2, tanto como 4.000 portugueses num ano (se considerarmos 5 toneladas por pessoa/ano). Em 2018, em Monchique, arderam 280 km2 de floresta, responsáveis pela emissão de 5,6 milhões de toneladas de CO2. E esse não foi o único incêndio esse ano. A ECO123 questiona os candidatos sobre esta questão-chave: qual é o seu plano político para a prevenção dos incêndios? O primeiro candidato chama-se José Chaparro. Tem 54 anos de idade e é candidato independente pelo CDS/PP. Na semana que vem, apresentamos Bruno Estremores, do PSD. Todas as semanas um candidato de cada partido.

Subscreva e oiça o nosso podcast sobre este tema. Juntos, será possível melhorar o mundo em que vivemos. Ainda estamos a tempo. Caso tenha ideias concretas sobre como travar os incêndios e quais podem ser os primeiros passos nesse sentido, entre em contacto connosco via email (editor@eco123.info), apresentando as suas propostas. Iremos publicá-las e discuti-las aqui, antes das eleições de 26 de setembro. Não faça parte do problema, torne-se parte da solução.

 

Entrevista com José Chaparro

José Chaparro, 54 anos, candidato independente à presidência da Câmara Municipal de Monchique pelo CDS-PP. Engenheiro de profissão, vereador com o pelouro das obras. Esta entrevista foi realizada na terça-feira, 10 de Agosto de 2021 no antigo restaurante Rouxinol, extinto pela força dos últimos incêndios em agosto de 2018.

ECO123: Que motivos o levaram a candidatar-se à presidência da Câmara Municipal de Monchique?

José Chaparro: Quem me motivou a ser presidente foi, em primeiro lugar, a população de Monchique. Antes de tomar a decisão de me candidatar, fui abordado por diversos quadrantes ideológico-políticos (inclusive por pessoas sem filiação), que me desafiaram para que tomasse a decisão. Sou de Monchique e tenho uma experiência, quer a nível profissional, quer autárquico: exerci funções como vereador independente, em permanência, pelo PSD em Monchique e estive quatro anos na Câmara de Lisboa.

Baseando-se nesta experiência de quatro anos e atendendo ao seu programa, o que pensa concretizar, caso seja eleito?

Nesta fase tenho toda a minha equipa a trabalhar sobre o programa. Vamos concorrer a Monchique e às Juntas de Freguesia do Alferce e Marmelete e um programa, para ser devidamente bem feito, carece de algum tempo e de ideias. Contudo, posso adiantar as diretrizes gerais do programa. Na área do Ordenamento do Território, passa por fazer a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), ordenamento do território florestal e urbanístico, requalificação urbana, nomeadamente na Rua Serpa Pinto, a rua de entrada na nossa vila…

Que alterações propõe dentro do PDM? Tem alguma proposta para a floresta, um dos recursos mais importantes da economia monchiquense?

Neste momento não posso adiantar em profundidade como será o PDM, até porque já participei na elaboração de alguns. Monchique reveste-se da particularidade de ser uma área vastíssima a nível florestal e uma área urbana. Quando a equipa para o PDM (composta por equipa multidisciplinar de técnicos de variadas áreas, desde arquitetos a engenheiros, biólogos e agricultores), as coisas serão direcionadas e teremos o PDM desejado. Precisamos ainda de acrescentar que o PDM, de acordo com a legislação, já devia ter sido executado há mais de 12 anos. Tem-se andado a arrastar a decisão de fazer a sua revisão. Isto tem-se traduzido na falta de criação de postos de trabalho em Monchique, já se deveria ter criado um parque industrial… Permitiu-se que determinadas indústrias proliferassem pela floresta e temos hoje em dia como consequência cicatrizes na mancha florestal. Tudo terá que ser muito bem analisado por essa equipa pluridisciplinar.

Dentro desta vertente existe também um grande perigo: os incêndios. Este tem aliás sido um dos sítios onde, nos últimos anos, os incêndios lavraram muita floresta, habitações… Que medidas pretende adotar para travar este problema?

Essa é uma questão muito profunda e que deve mover, não só os monchiquenses, mas também Portugal e, em suma, o mundo, porque é transversal ao planeta. Tenho especialistas nessa área na minha equipa e posso adiantar que as medidas passarão por reforçar a equipa da Proteção Civil…

… os Bombeiros…

Não só. Eles são uma peça chave porque conhecem melhor do que ninguém o seu território. Além disso, temos um Gabinete de Proteção Civil na Câmara Municipal, que tem que ser melhorado para que possa dar uma resposta mais rápida e eficaz sempre que houver o deflagrar de um incêndio. É na sua fase inicial que se evitam as grandes catástrofes. Sabemos o que aconteceu em 2018 e em 2021. Não atacado de início chega-se a um ponto em que se perde o domínio da situação.

Qual a sua segunda grande meta eleitoral?

Este ponto não é menos relevante que o primeiro. Falemos da natalidade e da demografia. Como fixar jovens em Monchique e criar emprego?

Como pretende fazê-lo?

Uma das medidas passa por avançar com o Parque Industrial, um projeto que já deveria ter sido iniciado há dez anos atrás. Essa decisão permitirá fixar empresas, quer do concelho, quer externas, porque as que possam ter sede fora de Monchique terão provavelmente alguns incentivos fiscais para se fixarem.

Outra das medidas passa pelos apoios sociais: a promoção do empreendedorismo, o apoio às instituições de solidariedade social, os mecanismos de apoio à população idosa, o apoio aos lesados nos incêndios e a melhoria do Gabinete de Apoio à Proteção Civil.

E em relação à saúde em Monchique… ao Hospital…?

O hospital é uma peça fundamental na nossa saúde em Monchique. Entristece-me – e sei de situações que se estão a passar com pessoas que deixaram de ter médico de família no nosso Centro de Saúde e foram obrigadas a recorrer a entidades privadas que cobram por vezes valores que as pessoas – nomeadamente a faixa etária mais idosa – tem muita dificuldade em pagar.

Primeiro há que melhorar o Centro de Saúde. A sua situação não é digna, precisa de pinturas, de reabilitação.

… e de mais médicos…

Primeiro há que tratar da infraestrutura e depois chamar os meios humanos que possam dar resposta à população. E isso passará por ter mais médicos, mais enfermeiros, todo o corpo necessário capaz de fazer face a uma população que decresceu em aproximadamente 500 pessoas, mas é uma população empobrecida e que precisa de apoios que serão contemplados no nosso programa.

Gostaria de voltar ao assunto dos recursos locais. Quais são, para si, os recursos de maior importância?

À semelhança do que se passa no privado, numa família ou numa autarquia, o mais precioso que podemos ter é o capital humano, e isso passa por dar condições aos trabalhadores, gerando motivação e satisfação entre as equipas.

E o que pensa do equilíbrio entre os elementos terra e água? Temos, a cada ano que passa, cada vez menos água e uma terra invadida por monoculturas. Que soluções?

Se nos circunscrevermos ao concelho de Monchique, nomeadamente ao relevo e às linhas de água de que dispomos, será uma possibilidade criar diques e barragens para conter as águas que são precipitadas sobre as nossas montanhas. Monchique tem um microclima: os ventos do oceano sobem a serra, batem na montanha e chove. Temos que reter essa água para que entre no nosso subsolo, aí reside o equilíbrio. Temos essas condições orográficas, precisamos construir infraestruturas para dispormos da água.

Cheguei a Monchique quando esta mancha de território era o pulmão verde de todo o Algarve e Baixo Alentejo. Era uma floresta muito diversificada e tinha apenas entre 25 a 30% de monoculturas de eucalipto. 31 anos mais tarde, são quase 80% de monoculturas de eucalipto e acácia e muito poucas culturas de castanheiro, sobreiro… Isso não é preocupante para si?

É muito preocupante. Desde pequenino habituei-me a ir com os meus pais e os meus avós para a floresta, a brincar na mesma. Sou da mesma opinião. Há 30, 40 anos, a nossa floresta tinha uma biodiversidade completamente diferente. Havia um equilíbrio que foi sendo interrompido pela senda dos incêndios. E isso trouxe espécies invasoras e nefastas. E hoje temos situações, como por exemplo, nas Caldas de Monchique, onde se prevê que dentro de dez anos venhamos a ter um matagal de acácias de difícil resolução. São situações que são autênticos barris de pólvora.

Quer fazer um balanço destes quatro anos como vereador? Por que motivo foi “despedido” pela atual presidência de Rui André?

Vejo que está bem informado. Há três horas, quando terminou a reunião de Câmara, fui confrontado com essa situação. Foi caricato, porque faz parte do processo democrático – e da legislação – que, sempre que o presidente leve propostas a sessão de câmara, deva, com a antecedência devida, informar todos os vereadores. E o senhor presidente não informou. Quando a sessão estava a terminar, apresentou uma proposta, do desconhecimento da vereação – e exonerou-me, ou seja, “despediu-me”.

Após três mandatos em Monchique, Rui André candidata-se agora pelo PSD ao concelho de Portimão. Talvez daqui a seis semanas tenhamos um novo presidente que se chama José Chaparro. Que ideias pretende realçar nessa nova função?

O nosso programa contempla ainda a reabilitação das escolas de Monchique, da Manuel Nascimento, da escola de Marmelete e da escola dos Casais. Pretendemos ainda melhorar e aumentar os recursos humanos das escolas, porque a melhor coisa que podemos ter é o capital humano. 

E em relação à saúde das crianças que frequentam as escolas? Todas têm ainda telhados de amianto. Tem isso em conta?

O fibrocimento tem, na sua composição, amianto, um produto altamente cancerígeno. Isso é sabido. Dentro das minhas funções, dos meus pelouros, ao longo destes quatro anos, tomei a iniciativa de retirar do edifício com maiores áreas – os armazéns municipais – a cobertura de fibrocimento. Mas a câmara já deveria, há anos, de acordo com a legislação, ter tomado a iniciativa de o retirar nos restantes edifícios. A Escola Manuel Nascimento, por exemplo, e a de Marmelete, estão totalmente cobertas com fibrocimento.  

Mas as crianças, os jovens, não deveriam estar em primeiro lugar? Eles são o nosso futuro. Por que não começar com as escolas? Se a população de Monchique votar José Chaparro, nos próximos quatro anos as escolas poderão ver-se livres do amianto?

Fará parte do nosso programa, sim. Ao nível da Escola Manuel Nascimento, fui o responsável pela sua reabilitação e ampliação. Foi mesmo lançada uma empreitada para que o fibrocimento fosse retirado exclusivamente no Bloco C. Estranhamente, o concurso ficou deserto – ou parece que há um problema jurídico – são coisas que fogem à minha alçada. Tenho acima de mim um presidente que se chama Rui André, e a senhora vereadora, que se chama Arminda Andrés, que têm o pelouro monetário. E eu não posso fazer nada se este setor não for desbloqueado.

E o mesmo se passa com a escola de Marmelete. Está degradante, pode colocar em risco a saúde e segurança das crianças – com vãos deteriorados, frio e chuva que entram pelo edifício, armaduras à vista nos pilares, uma cobertura de amianto – e durante os 12 anos de presidência de Rui André nada foi feito a este respeito.

Onde se encontra este assunto no seu programa, por ordem de importância?

É um dos que irá em primeiro, com certeza. Privilegiar tudo o que é a preservação da saúde e da integridade das pessoas.

Gostaria ainda de realçar alguns aspetos?

Sim. Ao nível das infraestruturas, temos que rapidamente colocar em funcionamento o Estacionamento de São Sebastião. Estará em primeiro lugar no nosso programa.

… para ganhar dinheiro todos os dias …

Afirmativo. A Câmara precisa de receitas. Não pode ter mais de 30 carros ilegais dentro do Parque de S. Sebastião. Neste momento, o parque está selado, e nada se passa.

O outro ponto que se reveste de grande importância é a Serração, uma das obras icónicas do nosso programa.

Está a falar da Casa do Povo de Monchique e da cultura no concelho…

Exatamente. A Casa do Povo será para reabilitar e devolver à população. Mas queremos também pegar na Serração – na zona onde funcionava o antigo parque de madeiras e a zona de laboração das máquinas – e transformar num parque multiusos, onde se possam realizar eventos culturas, desportivos, feiras… Pretendemos dotar toda a parte restante de um museu, no qual tenho vindo a trabalhar nos últimos anos.

E, para fechar, gostaria de referir que em Marmelete pretendemos concluir a piscina, cuja obra já deveria ter avançado; proceder à construção do bairro de habitação a custos controlados; melhorar toda a área envolvente (arranjo paisagístico); e criar um parque de autocaravanas.

Na freguesia do Alferce, temos a questão do Castelo, que continuará a ser explorado em termos arqueológicos. Estamos a falar num projeto a 15, 20 anos. E, por outro lado, queremos implementar em Monchique diversos passadiços. O passadiço do Barranco do Demo, no Alferce, será um dos ex-libris deste projeto.

No futuro será possível a um cidadão de Monchique assistir a eventos culturais no concelho?

Essa é a nossa intensão. A nossa ambição passa também por, no espaço temporal de dez anos, aumentar entre 30 a 60% a população de Monchique. Tenho consciência do valor deste território, ele é um diamante por lapidar. E é bem provável que, uma vez criados os atrativos, pessoas de Portimão ou de outros locais queiram mudar-se para Monchique.

Estamos novamente em guerra & Entrevista Bruno Estremores

Estamos novamente em guerra...

de Uwe Heitkamp, Editor da revista ECO123

… mas urge a paz. No passado domingo, houve novamente um fogo a menos de um quilómetro do nosso projeto para um Jardim Botânico Florestal em Caldas de Monchique. Houve alguém que negligentemente atirou algo pela janela do carro e que iniciou o fogo. Um cigarro ou uma garrafa de vidro, quem sabe? Os helicópteros combateram o fogo fazendo lembrar uma verdadeira guerra. Largam bombas de água em ataques sucessivos. Parecia um filme sobre o Vietnam. Juntamente com os meios terrestres, conseguiram vencer o inimigo em duas horas. Mesmo a tempo antes de levantar o vento. Com temperaturas de 41 a 43 graus Celsius tinham que conseguir apagar o fogo antes das 17 horas para vencer a batalha e conseguir a paz. O filme termina bem mesmo a tempo.

Mas nós não ficámos passivamente a ver televisão. Desenrolámos todas as mangueiras e começamos a espalhar água por toda a floresta. Para o conseguir, nestes dois a três hectares com temperaturas altas, é precisa muita água. É o preço que se paga pela falta de cuidado, negligência, ignorância e inconsciência com que algumas pessoas andam por este mundo. Há muitos que vêm despreocupados da cidade para a almoçarada domingueira no campo. Houve quem escrevesse a frase: “Pena, que o betão não arda” a letras vermelhas num viaduto da autoestrada.

Nós que vivemos no campo, no interior, adoramos as nossas árvores, as florestas e os seus habitantes de todos os tamanhos: borboletas, raposas, linces, sacarrabos e a grande variedade de aves e insetos, os animais selvagens, mas também as nossas galinhas, os coelhos, gatos e cães, os animais domésticos. Porém, o verdadeiro desafio desta vida no campo só começou depois das 17 horas de domingo. Tinham anunciado ventos de 60 km/h. Os bombeiros de Monchique ficam de vigila em vários pontos durante toda a noite para proteger as nossas vidas. Nós, em Esgravatadouro, continuamos a molhar a floresta até a escuridão já não nos permitir continuar. O vento está forte e voltamos para casa. As nossas vidas estão nas mãos dos bombeiros, que continuam a apagar os últimos focos com água e com enxadas. Saio várias vezes durante a noite para fazer uma ronda. É impossível dormir. Tem que se estar sempre a postos para voltar a ligar a água dos sprinklers. E ainda precisamos de mais área coberta pela proteção dos sprinklers. (www.eco123.info/crowdfundig/)

A vida perante as alterações climáticas é um assunto delicado. Por vezes, temos sorte e escapamos, outras vezes corre mesmo mal. A ponte sobre o rio que secou é uma tábua velha que pode partir a qualquer momento, quando se pretende atravessar. Há 47 anos que vivemos em democracia (1974 – 2021), ainda bem. Mas houve uma ditadura de 48 anos, de 1926 a 1974. O fascismo ainda não foi completamente erradicado em Portugal. E também não irá acabar por helicópteros trazerem água para apagar o fogo. A democracia é débil e está a ser ameaçada todos os dias em todas as câmaras municipais. Por exemplo, por analfabetos que dizem que antigamente tudo era melhor. Que nos tempos de Salazar isto não acontecia.

Será que esquecemos os “Talibãs de Portugal” que encarceravam em Peniche as pessoas que pensavam de forma diferente? A questão central é: o que podemos fazer, para proteger ativamente a nossa democracia de um partido neofascista? Sou natural de um país em que o fascismo perdurou durante muitos anos e todos, de forma ativa ou passiva, colaboraram para o holocausto. Depois diziam que não se sabia nada. Mentira! Aqui, perdemos a oportunidade de banir a PIDE de nós próprios e da nossa democracia, das instituições, universidades, escolas, do nosso dia a dia. Não reforçámos a nossa democracia. Em vez disso, colocámos políticos corruptos em cargos muito bem remunerados. Um terço de todos os candidatos para as 308 câmaras municipais tem problemas com a justiça. Se, por uma vez, votarmos em consciência analisando bem os candidatos, desmascarando as incompetências para dar o nosso voto ao candidato mais sério, contribuiremos para uma democracia mais forte. A ECO123 apoia essa meta, analisando quais dos candidatos são “à prova de fogo”. Leia a entrevista com o candidato Bruno Estremores.

O eucalipto foi o dinheiro fácil, o ouro verde, temos é que pensar num bom presente

ECO123: Quem é Bruno Estremores?

Bruno Estremores: Sou natural de Monchique, tenho 47 anos e sou fisioterapeuta de profissão. Exerço, de momento, o cargo de diretor hospitalar e também a de técnico responsável pelo setor da Reabilitação Física, no grupo Hospital Particular do Algarve (HPA).

Em julho de 2020 lançaram-me o desafio de me candidatar à Comissão política do PSD em Monchique, no qual sou militante há 20 anos, no sentido de se preparar um novo projeto autárquico para as eleições de 2021. Recebi o convite com honra, é um desafio interessante, tendo em conta que sou um empreendedor. Instalei em Monchique uma pequena clínica médica, que foi, entretanto, integrada no Hospitais Particulares do Algarve S.A. e ficou responsável pela Reabilitação de todo o grupo.

É fácil ou difícil ser “herdeiro” de Rui André?

Nem fácil nem difícil. Não concordo com toda a sua gestão, mas entendo e apoio, sobretudo algumas medidas. Quando assumiu a presidência, assumiu também uma dívida de 13 milhões à Banca e de dez milhões ao sistema público de saúde – ADSE. Poucas pessoas o sabem. Esta situação foi bastante confrangedora, uma vez que, sem esse pagamento, os funcionários continuariam a ver recusado apoio médico sempre que se deslocassem a um serviço de saúde. Uma pessoa que, em doze anos, paga 22 milhões de dívidas, não lhe sobra muito para poder investir noutras coisas. Podemos, claro, abrir a hipótese de ir pagando a dívida de forma faseada e deixar parte para quem vier a seguir…

Um dos problemas que assola este território são os incêndios. Como futuro autarca, de que medidas dispõe para travar ou acabar com este problema?

Trazer pessoas para Monchique é fundamental. Com pessoas na vila e na serra passaremos a ter terrenos limpos. De nada serve ter o seu terreno limpo se está rodeado de terrenos que se encontram ao abandono. Temos que ter um reordenamento da floresta efetivo e apostar na prevenção, porque gastar milhões a apagar fogos nunca resolverá nada e, ciclicamente, de cinco em cinco ou de dez em dez anos, a natureza reergue-se e estes voltarão a acontecer.

Como se prepõe repovoar Monchique?

Com condições atrativas. Por exemplo, atribuição de um subsídio camarário para aquisição e reabilitação de casas abandonadas no centro da vila, salvaguardando a especulação imobiliária. Em relação ao campo, será um pouco na mesma perspetiva. Temos que salvaguardar a situação incómoda gerada pelo Plano Diretor Municipal (PDM)…

– … que não existe.

Tem 30 anos e já deveria ter sido revisto há dez. Esse será o nosso primeiro projeto.

Rui André teve 12 anos para rever o PDM. Com a sua presidência, Monchique terá um novo PDM?

Demorará seis a sete anos, com o concurso público e as condicionantes de Monchique estar integrada na Rede Natura 2000, Reserva Ecológica e Reserva Agrícola. Isto leva a que, por vezes, um pequeno terreno com uma ruína inviabilize uma construção.

Mas isso não é impeditivo de plantar mais eucaliptos…

São as contradições da Lei portuguesa.

Mas a Rede Natura 2000 é europeia…

Mas quem está nos gabinetes ministeriais não pensa as coisas como quem está no terreno, como os autarcas. Estes deveriam ter muitos mais poderes (sujeitos, claro, a uma fiscalização), sobretudo nas questões do reordenamento da floresta.

Portugal, a Roménia e a Bulgária são três dos países mais corruptos, segundo a União Europeia. Quanta cunha é necessária para ser eleito?

Política, religião, futebol, são coisas boas. O problema está nos homens que, em determinado momento, as representam. Temos bons políticos e temos políticos que são o pior da sociedade. E vivemos num sistema com alguma impunidade. Mas acredito que ainda é possível fazer coisas boas, capazes de gerar um crescimento económico sustentável. A resposta em Monchique passará sempre por um turismo de natureza, integrado em rede.

Em cima das cinzas?

Claramente não. Há que recuperar o estrago que ficou de 2018. Houve uma grande regeneração natural do próprio ecossistema. Temos que criar uma medida para espécies como as acácias. Há 30 anos surgiu a ideia de fazer de Monchique um Bioparque, seria algo extraordinário. Infelizmente, nunca saiu do papel, talvez por gerar poucas receitas. Monchique é um município pobre, não terá muitas receitas se não forem os apoios do Estado.

Quando falamos de receitas, qual a sua posição quanto ao Parque de Estacionamento em Monchique?
O Ministério Público não autoriza, neste momento, que se mexa no 1.º andar, onde deflagrou um incêndio. Mas uma vez que já se identificou a origem do fogo, bastava apenas desbloquear. O parque tem que ser limpo, recuperado, porque gera receitas.

Como encara a ameaça do CHEGA em Monchique?

Não há qualquer ameaça. Nas listas desse partido existem apenas quatro pessoas de Monchique. Os partidos, ao contrário dos movimentos de cidadãos, não precisam de recorrer às assinaturas. Se conseguirem atingir 2% dos votos da Assembleia Municipal recebem subvenção do Estado. E é isso que lhes interessa!

Em Monchique as pessoas não querem saber dos partidos, e sim dos candidatos.

Por que motivos quer ser Presidente?

Sou capaz de fazer mais e melhor do que o que foi feito nos últimos 30 anos. A experiência em gestão e recursos deu-me capacidades para poder gerir o município. Qualquer entidade pública deve ter como intuito o serviço público, mas com uma gestão privada, com recursos bem aplicados.

Isso significa que está nos seus planos encerrar o Hospital, o Centro de Saúde… abrir uma instituição privada?

Monchique tem idosos com reformas de 300 euros; abrir um hospital privado seria uma sentença de morte.

O Centro de Saúde – cuja responsabilidade do edifício é camarária, mas dos recursos humanos, é do Estado – não podemos fazer mais, enquanto autarquia, do que pressionar, para que venhamos a ter mais médicos e enfermeiros. Até há seis anos atrás, Monchique era dos centros de saúde que melhor funcionava, tinha cinco médicos; neste momento, tem duas médicas. Com o apoio ao COVID, resume-se, na prática, a uma médica. Há de momento idosos que não vão à farmácia levantar a sua medicação porque é incomportável suportar o seu custo sem a receita médica. Apesar do meu emprego, continuo a usar o Centro de Saúde de Monchique, onde tenho o meu médico. O serviço público tem toda a razão de existir, o Estado tem que ter uma função social para quem mais precisa.    

Somos quase todos vítimas, ou lesados, do incêndio de 2018 e continuamos à espera há três anos de algum apoio. Como irá tratar desta “herança” de Rui André?

O problema de Rui André esteve por vezes na má comunicação; a sua intenção sempre foi a melhor. O Estado quis fazer um exemplo de Monchique. Em Pedrogão Grande deu o dinheiro diretamente às câmaras e estas reconstruiram as habitações.

Qual a solução em Monchique?

Sem falar com o Instituto de Habitação Social não lhe sei dizer. Quiseram ficar com o processo e não deixaram a câmara fazer nada. Vamos ter um segundo problema, onde a câmara pode ser decisiva. Já estão a aprovar a reconstrução das casas. Começamos a reparar que os que ficaram só com a roupa do corpo não têm dinheiro para mandar fazer os projetos de arquitetura e de engenharia. Se eu for eleito, a câmara abrirá um concurso público, contratará arquitetos e engenheiros para garantir os projetos a todas essas pessoas. E existem as questões dos anexos, que foram sendo contruídos para além do projeto inicial e que agora não estão contemplados.

Nas Caldas, temos uma empresa que comprou 37 hectares por um valor de sete milhões de euros. Não pagou um cêntimo de IMT. A câmara perdeu mais de 500 mil euros em impostos. Decisão de Rui André?
Não. Decisão da Assembleia Municipal de Monchique.

Por sugestão do presidente. Com este valor poderia abrir-se um fundo para as vítimas. Temos, ainda, perto do armazém municipal, uma área alugada com donativos de uma comunidade belga em Monchique, com recursos que acabaram por nunca ser distribuídos.

Não me posso pronunciar, desconheço em absoluto. Sobre a isenção que foi dada às Caldas de Monchique, sou contra, e se tivesse estado lá, teria votado contra. Rui André recebeu a proposta da empresa para se proceder à isenção, propôs votação em sede de Assembleia Municipal, e este órgão votou por maioria, a favor. Quem foram os deputados que votaram a favor? Todos os do PS, à exceção do Presidente da Junta de Alferce; do PSD houve votos contra e a favor. Se procurar as relações entre a Fundação Oriente (antiga proprietária das Caldas) e o PS, verá que os dirigentes do PS são os mesmos que estavam à frente da Fundação Oriente. Por isso deve ter havido alguma pressão dentro do partido para votarem a favor. Independentemente desta decisão, fica a pergunta para um milhão de dólares: é a favor ou contra?

Por natureza, deveríamos ser contra, porque os outros municípios têm que pagar o imposto. Mas se antevisse que a empresa, com este valor, iria requalificar as Caldas, criar mais 100 empregos, reabilitar os edifícios e trazer um potencial…

Mas não… despediu pessoal.

Sim, fez exatamente o contrário. Para esta isenção, tinha que ter existido um contrato escrito com contrapartidas.  

Estamos numa área rural, no meio da floresta. Quais são os elementos mais importantes neste meio?

Em Monchique, considero fundamental a questão da água. Este ano choveu muito, mais do que em anos anteriores. O que fizemos para captar essa água para poder usá-la em períodos de seca? Zero. Também porque de Inverno temos muitos ribeiros com água, deveríamos fazer pequenos reservatórios – há quase 25 anos que não são feitas charcas em Monchique – que, além de servir para regar na plantação de novos medronheiros, podem ser usados na eventualidade de rebentar um incêndio. É totalmente diferente um helicóptero ter a charca por perto do que andar a fazer dez quilómetros para trazer água até à serra.

Temos, por isso, que ter capacidade de reter esta água da chuva e fazer reservatórios.

E em relação à terra, à agricultura de subsistência?

Esta crise económica trazida pela Troika trouxe uma coisa boa, voltou-se a ver muitas pessoas de Portimão com familiares em Monchique a se dedicarem a uma agricultura de subsistência ao fim-de-semana. Além da mais-valia económica, tem o benefício de manter os terrenos limpos.

Deixa-me triste ver estes socalcos – para mim, das coisas mais maravilhosas de Monchique – com eucaliptos no seu centro. Estes socalcos, construídos à mão, têm que se manter agrícolas. 

Precisamos de menos eucaliptos em Monchique?

Precisamos de eucaliptos para a nossa economia, mas de menos, precisamos também de uma reflorestação.

Várias famílias começaram a arrancar eucaliptos e a reflorestar com espécies locais. Existem pessoas que implementaram energia solar como fonte de rendimento.

Eu sou a favor de um reordenamento das espécies existentes, fazer faixas de contenção à volta da vila e dos aglomerados populacionais com espécies que não ardam tão facilmente, mas temos que admitir que há dezenas de empresas que dependem do eucalipto em Monchique.

Precisamos de um plano para uma nova economia?

Sim, de vivermos do turismo de natureza, com novas espécies. Tentar ir reduzindo os eucaliptos, incentivando e consciencializando as pessoas para tornarem a plantar o castanheiro, o carvalho, espécies autóctones. Antigamente, quando casávamos, tínhamos que levar a mesa e a cadeira de castanho. O eucalipto foi o dinheiro fácil, o ouro verde, mas é um mau passado, e nós temos é que pensar num bom presente, num bom futuro.

O que vamos fazer com o amianto nas escolas?

Rui André recebeu dois financiamentos, para retirar o amianto e para requalificar as escolas. Várias receberão um segundo andar. Se temos pouco dinheiro, seria bem pensado fazer as duas obras simultaneamente. A escola de Monchique – cujo projeto para o segundo piso já se encontra aprovado – continua sob jurisdição do Ministério da Educação, e não da Câmara.

Na Escola de Marmelete, pertença da autarquia, já foram adjudicadas as obras, que só não se iniciaram no dia 12 de julho porque houve falta de um parecer da Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT).

O facto de Monchique ser no interior faz com que seja pouco aliciante para os construtores. Trazer homens e o estaleiro aumenta em 20 ou 30% os custos da obra. A Junta de Marmelete tem dois projetos aprovados de quase 500 mil euros (um Parque de Caravanas e um Parque de Merendas) e está com dificuldade em conseguir empreiteiros. Chegamos a este cúmulo.

Se for eleito presidente daqui a seis semanas, que importância dará à reestruturação da escola de Marmelete?

Total, porque Marmelete tem mais crianças do que há alguns anos atrás. Esta freguesia tem aumentado, sobretudo com a comunidade estrangeira. A escola não estará pronta quando as aulas começarem, mas estará pronta até outubro.

O Bruno tem duas crianças. Andam na escola em Monchique?
Sim. A Escola de Marmelete, tendo em conta as condições que tinha, não devia ter aberto em dezembro passado. As pessoas em Monchique gostam de criticar, mas têm que passar a ser mais ativas, mais reivindicativas. É preciso ir ao local certo e exigir. 

Quem assume cargos políticos tem que estar capacitado para corresponder à maioria da expectativa dos cidadãos; as entidades têm que estar ao serviço de todos e não de apenas alguns.

O que está previsto no seu programa na área da Cultura?

Temos cultura e temos artes e artesãos. O problema da Casa do Povo é que não é propriedade da Câmara, e sim da Segurança Social. Há uma questão legal parecida à do parque de estacionamento. Talvez o presidente da câmara se devesse levantar do seu gabinete, ir a Faro e falar com quem de direito para ficarmos com uma pequena sala de espetáculos-multiusos.

O mais flagrante neste momento em Monchique é o Quartel dos Bombeiros. Estão bem equipados em termos de máquinas e carros de combate a incêndios – m outubro chegará uma nova viatura de quase 300 mil euros. Mas, lá dentro, chove, os wc estão obsoletos. Temos que dar condições a estes trabalhadores e aos voluntários, que representam metade do seu corpo. Em 12 anos a Câmara investiu quatro milhões e quinhentos mil euros nos Bombeiros de Monchique. Para a dimensão da nossa receita, nem todas as autarquias fizeram este investimento.

Onde foi aplicada essa verba?

Nas equipas de prevenção, nas viaturas… Quando este comandante chegou, entre viaturas avariadas e com pneus carecas e dívidas a fornecedores, muito havia a fazer. Na semana passada, com o aniversário da associação, foi a primeira vez que os Bombeiros de Monchique receberam equipamento de proteção individual nestes 88 anos. Os últimos foram comprados em segunda mão a belgas.

Não temos também um Gabinete de Proteção Civil que coordene os Bombeiros, os militares, a população em caso de incêndio. Os Bombeiros não são a Proteção Civil, fazem parte da Proteção Civil. A Câmara de Monchique tem que ter uma máquina de arrasto. Temos uma velha, insuficiente. Temos que ter duas ou três em prontidão que comecem a fazer os aceiros para conter o fogo, de verão; e a limpar os caminhos e fazer as faixas de contenção de inverno, de forma a que, caso haja um fogo, este consiga ser contido no local. 

Muito obrigado.

 

Apenas homens? & Entrevista João Duarte

Apenas homens?

De Uwe Heitkamp

Nem uma mulher entre os candidatos. Será que só escolheram figuras masculinas para os cartazes? Mais de metade da Humanidade não participa nestas eleições? Parece impossível! Como jornalista, cidadão europeu estrangeiro, sei que estou em Portugal, e não no Afeganistão. A seleção dos candidatos em Monchique, e em muitas outras autarquias, não representa o eleitorado como eu desejaria.

Apenas homens?

E, depois, há ainda o candidato de um novo partido neofascista, o Chega. Também não têm uma mulher como cabeça de lista. A esses, tenho apenas a dizer: Basta. Propõem que incendiários sejam castigados mais severamente, presos a uma árvore e queimados. Pela minha parte, sei que estamos num Estado de direito e que bastaria a justiça aplicar bem as leis que temos. Se um incendiário é condenado a doze anos de prisão, deve cumpri-los. Não deve ser libertado após dois, quatro ou seis anos para voltar para a casa de sua mãezinha. Um Estado que se baseia na vingança não tem futuro. O futuro do Estado depende da sua justiça.

E, por isso, também desejo a igualdade de direitos entre homens e mulheres, o que implica que o eleitorado tenha uma escolha por onde optar. É a isso que chamo de justiça. Este sistema é feito por homens e não significa verdadeiramente uma escolha. Mais de metade da Humanidade, as mulheres, não se candidata. Mas, por que não? Dos seis homens que se candidatam em Monchique entrevistei cinco, e nenhum destes me parece 100% qualificado para a função de presidente da câmara. Ou estarei enganado? Um mais, os outros menos. Será que posso dizer ou escrever isto? Serei neutro? Não, não sou. Mas sou independente. Não pertenço a nenhum partido. Analiso todos com o mesmo rigor. Nenhum deles me impõe nada, nem que o apresente como sendo melhor do que os outros. Infelizmente, nenhum deles tem um plano para solucionar o maior problema da Humanidade: os incêndios, as alterações climáticas. Nenhum deles quer pegar nessa “batata quente” e solucioná-la. Talvez uma mulher seja capaz de o fazer melhor. Talvez fosse mais independente na tomada de decisão. As mulheres em Portugal têm melhor formação e mais coragem política. Trata-se, não só, de tomar decisões difíceis, mas também de as explicar (melhor) ao eleitor.

Desertificação

Como conseguir a neutralidade climática para Monchique? E como travar estes incêndios catastróficos? Coloquei estas questões a cada um dos candidatos e as respostas foram – resumidamente – uma desilusão. Há um deles que pretende colocar o carro à frente dos bois. Há que viver com o que se tem. Pois, a desertificação…

Pretendem começar por repovoar Monchique. Mas ninguém quer vir para cá porque as pessoas sabem que está sempre a haver incêndios. Qual é a origem destes incêndios? E haverá postos de trabalho qualificados em Monchique? Uma fábrica da Tesla, por exemplo? Energia solar e eólica para a vender? Haverá muitas empresas de TI em Monchique? O problema começa pela falta de postos de trabalho bem remunerados. Que tal pegar no problema e analisá-lo detalhadamente para depois ver que soluções estão disponíveis? Por que razão há tantos incêndios em Monchique? Será que temos que tirar os fósforos às pessoas? Será tarefa da política preocupar-se com os descontentes, com os que ficaram, os incendiários e negligentes? Sim, com certeza que é. Há que fazer parte da solução. Temos que descobrir as razões que levam a que haja regularmente incêndios em Monchique.

Em 2018, foi a negligência da EDP e a incompetência da Proteção Civil e dos Bombeiros. Deixaram um fogo considerado extinto sem vigilância. O vento virou e voltou a ativar o incêndio. Trata-se de desmistificar os fogos e os incêndios florestais, analisando-os detalhadamente para compreender como surgiu o fogo, por que não foi extinto e como se poderá, futuramente, combater este género de incêndios de forma mais profissional. E trata-se de reduzir os riscos e investir em prevenção. A população deve ser habilitada e formada para conseguir extinguir o fogo no seu início, nos primeiros 15 minutos – antes que o vento o espalhe. Claro que a monocultura do eucalipto também é determinante para o perigo de incêndio em Monchique. O eucalipto é uma espécie que retira toda a humidade da terra, transformando-a em óleo, que é de fácil combustão. Que tipo de silvicultura queremos? Florestas diversas sustentáveis e bem geridas? Ou uma floresta em que as árvores são meramente um produto para a indústria, para alimentar as máquinas do IKEA e da Navigator Company?

No dia a dia, ainda se trabalha com ameaças. Isso é algo que tem que mudar. Aplica-se as ameaças no caso das crianças, dos adultos, e até dos animais – sem resultado à vista. Espalha-se o medo com ameaças. Há muitos anos que temos incêndios em Portugal. Porém, todos os governos, de todas as cores, não questionam o seu sistema baseado na ameaça. A obrigação de limpar os terrenos, abater todas as árvores 50 metros à volta das casas, limpar o mato, imposta com a ameaça de elevadas coimas, já não move ninguém a limpar os seus terrenos. Salazar morreu. António Costa já deveria estar consciente disso. E deveria saber os motivos que levam as pessoas do campo para a cidade.

Vão porque procuram uma vida melhor. E, por que não melhoramos a nossa democracia, proporcionando vidas melhores? Por exemplo, dando participação no poder às mulheres, já que os homens não encontraram solução nestes anos todos. Indira Ghandi, na Índia, Rute Silva, em Vila do Bispo, Rosa Palma, em Silves, e Isilda Gomes, em Portimão, são a prova de que, havendo vontade, há soluções para os problemas criados pelo Homem. Sejam guerras, a pandemia ou as alterações climáticas.

A solução para os incêndios tem que ter pés e cabeça, e englobar investimentos inteligentes e corajosos nos serviços imprescindíveis dos Bombeiros – controlados por auditores independentes e incorruptíveis. Precisamos do feminino que, em vez de castigar comportamentos repreensíveis, recompensa comportamentos positivos focados em soluções para o meio ambiente. Tornar possível o inimaginável. Os incêndios florestais, entretanto, tornaram-se um assunto de tal ordem importante que deveria ser combatido com a Bazooka (Ursula von der Leyen), e não com a caçadeira para caçar javalis. Imaginemos que existe um quartel de Bombeiros como o de Monchique, também em Marmelete e no Alferce, a 20 e a 8 km de distância, respetivamente. E também em localidades mais afastadas, como em Selão, Caldas, Tojeiro, Portela da Viúva, Perna da Negra e Fornalha. Investir muito para melhorar os meios dos Bombeiros, descentralizando-os para que possam chegar mais depressa ao local e apagar o fogo, acentuando assim também a importância que lhes damos num estado democrático. Quatro carros de combate aos incêndios para 400 km2 não são de certeza suficientes, mas 40 carros dos Bombeiros, e muitas equipas bem equipadas, podem ser uma boa base de trabalho. Ser bombeiro ou bombeira é das profissões mais importantes e nobres nestes tempos. Protegem o meio ambiente e a Humanidade das alterações climáticas. E, quando nos vamos deitar, continuam a apagar os fogos e permanecem de vigília.

O Presidente da Câmara de Monchique, Rui André, do PSD, andou a fintar as vítimas do incêndio catastrófico de 2018 durante três anos. Prometeu reparação e não cumpriu. Nem uma das 61 casas destruídas, que eram de primeira habitação, foi reconstruída. E também não será reconstruída nenhuma das 50 casas ardidas de segunda habitação, se as associações das vítimas não ganharem a sua causa em tribunal. O Presidente da Câmara nem sequer participou na acusação do alegado incendiário. Se fosse um político responsável, tê-lo-ia feito. Quem pratica uma política de promessas vãs não se pode admirar quando os cidadãos, desiludidos, passam a seguir o Chega. Rui André nem sequer se preocupou em contabilizar os estragos e arrastou a revisão do PDM durante 12 anos. Quem não se interessa pelos estragos também não se preocupa em evitá-los. Seria uma solução criar uma Lei que obrigasse a aderir ao seguro contra incêndio, tempestades e sismos para se obter a licença de habitabilidade. Em entrevista à ECO123, João Duarte, do movimento independente Cidadãos por Monchique explica o que pensa sobre o tema dos incêndios e das alterações climáticas.

Entrevista com João Duarte CPM

 

Chamo-me João Duarte e tenho 48 anos. Sou natural de Monchique, aqui nasci e vivo. Sou casado, tenho dois filhos e tenho uma formação na área da Engenharia Mecânica.

ECO 123: Quais os motivos que o levaram a candidatar-se à presidência da Câmara Municipal de Monchique?

João Duarte: Há praticamente 20 anos que vemos o nosso concelho a degradar-se. Não temos assistido a uma união por parte de políticos e cidadãos. Tenho uma visão mais técnica e acredito que temos que mudar a visão do nosso concelho.

Dispomos de um grande potencial em termos naturais, que está a ser desaproveitado. Temos que reunir uma boa equipa com boa gente para renovarmos o nosso concelho, para trazermos as melhorias necessárias.

Estamos a falar do Movimento Cidadãos por Monchique (CPM). Qual é o vosso programa?

Este movimento foi criado há oito anos, altura em que nos candidatamos, pela primeira vez, contra o atual presidente, que está de saída. Não acreditamos nas suas promessas – e nas suas políticas – praticamente enganou toda a população durante 12 anos. As nossas promessas, feitas há quatro anos atrás, estão atualizadíssimas, mas agora temos que dar mais ênfase na reestruturação da rede viária, na habitação e na possibilidade de criação de empregos sustentáveis, que estejam relacionados com a Natureza.

Em agosto de 2018, um incêndio lavrou quase toda a terra em Monchique, Alferce, Esgravatadouro, Caldas, até aos concelhos de Silves e Portimão. Que medidas tem o vosso Movimento para acabar com os incêndios?

Passamos mal com os fogos de 2018. Temos ideias ao nível da construção das habitações, que seja uma construção resiliente aos fogos. E também temos projetos e ideias para a restruturação e organização do meio florestal. Temos, para isso, que ouvir a opinião de todas as pessoas que estão ligadas à floresta, para podermos construir um projeto credível contra o fogo.

Quase 20% do concelho foi lesado. Mais de 750 agricultores perderam culturas, florestas, 61 casas de primeira habitação, 50 de segunda habitação. E, até hoje, ninguém recebeu qualquer recompensa. Não considera importante resolver esta situação antes de começar a fazer política?

Se tivermos a oportunidade de dirigir o nosso concelho, é averiguar o que aconteceu mesmo com as pessoas lesadas, porque não se admite essa situação. A Câmara deve ser o primeiro organismo a dar esse apoio e a desbloquear as situações para que as pessoas lesadas tenham os apoios para renovar as suas casas. A política da habitação deveria ser revista. As políticas são pensadas a nível nacional, esquecendo por exemplo a morfologia, o tipo de terrenos, as condições habitacionais, o viver das pessoas. Devem fazer parte dos novos projetos, entre outras medidas, aspersores em cima das casas, diferentes espécies florestais ao redor das habitações.

Pode imaginar como se sente este povo?

Claro que sim. Agora temos que tentar alcançar a liderança, chegar às pessoas e ver quais são as suas reais necessidades.

É uma grande herança a de Rui André.

Uma grande herança pela negativa. Há muito trabalho a ser feito. Durante 12 anos não foram feitas a manutenção preventiva e corretiva, por isso passamos e vemos o estado em que se encontra o nosso concelho. Quando havia algo avariado, Rui André optava por retirar, não reparava, não fazia as manutenções adequadas. E estamos aqui na estrada do Esgravatadouro e sabemos no estado em que ela está, completamente degradada, por simples falta de manutenção. Podem criticar que Carlos Tuta não deixou estradas bem feitas, mas deixou estradas alcatroadas.

Nem sempre é o dinheiro a mandar. O primeiro passo para os lesados dos incêndios poderá estar na reconciliação. Porque, se continuamos a fazer política como se nada tivesse acontecido, como ficam as pessoas?

Há três anos que isto perdura… o desapontamento.

É também candidato à CMM o Chega.

É normal que esses partidos surjam. As pessoas estão descontentes e o Governo tem sido gerido pelo PS e pelo PSD, que, praticamente, não têm feito nada para ajudar as populações. Temos observado nas pessoas que se dirigem à Assembleia Municipal. Existe um partido que faz uma proposta, outro até concorda, mas, ou abstém-se, ou vota contra, porque é um veto político, e isto é contra as populações. A única forma de unirmos as pessoas e trabalharmos como um coletivo é com movimentos independentes. Quantas mais forem as pessoas que aderirem ao nosso movimento, melhor será o caminho que somos capazes de trilhar.

O eucalipto é uma espécie que arde bem e gosta de arder. Ocupa 80% da mancha florestal de Monchique. Que solução?

É uma espécie que tem aumentado, por opção dos proprietários, pelo forcing das empresas ligadas à pasta de papel, como a Navigator, entre outras. Se tivermos um terreno e plantarmos eucalipto, temos uma rentabilidade ao final de nove anos, mas se plantarmos medronheiros, ao final de talvez cinco anos, já começamos a ter alguma rentabilidade. Até chegar aos nove anos, temos, para lá da rentabilidade, a criação de postos de trabalho, a transformação… porque o que dá dinheiro às pessoas é a transformação. Possivelmente existem terrenos no concelho em que a terra não dará para mais nada, mas noutros… esse será o último recurso.

O fogo de 2018 passou junto a florestas geridas por essas grandes empresas de celulose, e essas não arderam. É uma questão de gestão. Temos que criar transformação em Monchique. Podemos apostar no cultivo do limão, na sua transformação, num licor, num gelado…, no medronho, na cortiça. É na passagem do setor primário para o setor secundário, através da transformação, que vamos ganhar dinheiro, criar potencial económico.

Quais os principais pontos do Movimento?

Temos que apostar no melhoramento das vias.  Como eu, que me desloco todos os dias para Loulé, há quem se desloque para Portimão ou para Silves… Há que criar condições para que Monchique seja um local bom para se viver, e dentro da natureza.

Vejamos que ter uma criança num ATL em Monchique custa menos de metade do que se for em Portimão.

A escola é uma boa ponte. Mas as escolas em Monchique estão cheias de amianto.

As escolas têm que ser sustentáveis, amigas do ambiente, e incluir também o ensino profissional. Precisamos de carpinteiros, mecânicos, canalizadores, sapateiros, e outro tipo de ofícios, porque os técnicos e a formação técnica é uma mais-valia para o concelho e permite criar novos postos de trabalho. E daremos assim oportunidade às pessoas de serem empreendedoras e construírem o seu próprio emprego, família e casa aqui em Monchique.

A transformação do teto das escolas pode passar pelo recurso a energias eólicas, fotovoltaicas. Temos um grande potencial para fazer isso tudo.

Sei, porque em casa tenho um sistema limpo de energia fotovoltaica…

Tenho trabalhado bem para reduzir a minha pegada ecológica e a da minha família. Tenho três painéis de produção de energia fotovoltaica, desde 2008. No primeiro incentivo abracei logo esta decisão. E tenho um jipe que se move a óleo vegetal. Até ao fogo de 2018 fazia a reciclagem dos óleos provenientes das cozinhas e utilizava no meu próprio veículo. Se lermos um pouco da história de Rodolfo Diesel, ficamos a saber por que motivos construiu um motor a diesel. Fê-lo para que os agricultores dispusessem de uma ferramenta para trabalhar as suas terras com um combustível acessível que pudesse ser construído através das plantas oleaginosas. E uma planta oleaginosa, quando está a crescer e a formar o seu próprio fruto, está a tirar CO2 da atmosfera, a fazer a renovação. Em termos de ciclo, representa zero.

… pensa comprar uma viatura elétrica?

Mais tarde, com a evolução, sim. Se conseguir carregar as minhas baterias com a energia proveniente dos meus painéis é meio caminho andado para avançar. Mas, o facto de a energia no país ser ainda 47% proveniente de fontes fosseis, deixa-me reticente. E tem também a ver com a exploração das matérias-primas para o fabrico das baterias.

Podemos transformar Monchique num concelho Zero Emissões. Por onde começar?

Na produção de energia e no consumo de iluminação pública. Metade dos candeeiros públicos poderiam ser alimentados a energia fotovoltaica, reduzindo substancialmente a fatura paga à EDP. E temos o Moinho do Poucochinho, entre outros, que fazem parte do património do concelho – e que devem estar abertos à população – mas aos quais podemos associar pequenas unidades de energia hídrica. Este tem que ser um caminho construído com pressa, inteligência.

Nós devemos mudar. Mas não temos de o fazer por necessidade. Devemos fazê-lo por inteligência e pela ambição que temos para a vila. Temos uma ideia para a otimização, manutenção e regulação das infraestruturas do concelho. Não consideramos que a Serração, que se encontra junto ao Cemitério, seja a localização ideal para um Pavilhão de eventos.

Não temos sequer em Monchique uma sala para eventos culturais…

Posso avançar com algumas ideias…

Quer fazer alguma promessa?

Não. Os nossos objetivos estão traçados e o que nós prometemos é muito trabalho e dedicação. Dentro da ideia das artes, cultura e educação, a ideia que vimos a desenvolver e que foi apresentada há quatro anos à população, passa por mudar os Bombeiros do centro da vila para os armazéns da Câmara. Enquanto hoje o edifício não possui ponto de entrada e de saída de viaturas, neste espaço existiria a possibilidade de criar boas condições de circulação; o acesso ao Alferce, Marmelete e Portimão, Foia e Estrada de Saboia seria, também, possível sem os congestionamentos da vila e, logo, mais rápido.

Não se prevê a construção de um quartel em Marmelete, Casais ou Alferce?

Precisamos de pequenas unidades. Pontos de barragens em sítios estratégicos poderão ser igualmente uteis, permitindo o acesso a um helicóptero.

E, se alterarmos o tipo de construção, contemplando uma pequena reserva de água e os aspersores em cima do telhado, talvez o tempo de deslocação dos Bombeiros a um fogo possa não ter de ser tão rápido.

Pretendemos também retirar o heliporto do atual local. Foi construído provisoriamente por Carlos Tuta, num espaço que era reservado a eventos, feiras, no coração da vila.

Os armazéns da câmara passariam para o Parque Empresarial, a edificar-se com tempo, fora da vila. O espaço ideal seria a Nave. É uma planície, tem duas estradas, acessibilidades, uma ribeira; a estrada da Ribeira das Canas, que tem que ser melhorada, reconstruída, alargada, para criar a estrada de acesso rápido a Portimão, à A22, permitindo retirar da nossa estrada turística os veículos pesados de mercadorias. Esta estrada seria utilizada para o turismo, o ciclismo e outras atividades lúdicas. Nos primeiros quatro anos podemos iniciar as bases desses projetos, e ouvir as pessoas, a sua opinião. Acham que este é o caminho que devemos percorrer juntos? Será importante ouvir quais as suas prioridades.

Falarão, decerto, do Centro de Saúde.

Temos que criar condições para que todos os habitantes tenham médico de família. Existe um apoio da Câmara à Universidade do Algarve para a formação de médicos e temos que ser os primeiros a pedir que, depois de formados, esses profissionais façam a sua especialização/estágio nos concelhos onde existem mais dificuldades.

O Centro de Saúde está em péssimas condições. Sabemos que é difícil incentivar médicos para o interior, mas se pudermos oferecer outro tipo de concelho, instituições e acessos, por certo virão, também porque gostam de vir para cá almoçar, provar o medronho, usufruir da natureza…

Um indivíduo que vá tirar um curso de aviador na Força Aérea, fica agregado à instituição um determinado número de anos. Se o custo da formação é de todos os contribuintes, por que não ficar um determinado período (equivalente aos custos da formação) ligado ao serviço público e nos concelhos mais necessitados? Essa lei tem que ser revista.

Há quatro anos faltou-nos disponibilidade financeira para chegar às pessoas. Somos um movimento independente e os recursos que utilizamos para a nossa campanha são os da nossa equipa.

Quantas pessoas fazem parte do CPM?

Somos trinta elementos.

Pessoas de Monchique…

Também de outros locais. Tentamos concorrer a Marmelete e ao Alferce, mas devido à alteração da política do PS e do PSD para prejudicar as candidaturas dos movimentos independentes, só conseguimos formar o nosso grupo depois da revogação da lei, há perto de um mês e duas semanas. Há quatro anos, começamos em fevereiro e comentávamos: “estamos a começar tarde”, este ano começamos em junho, ainda mais tarde. Mas não baixamos os braços.

Não vamos receber subsídios nem apoio de nenhum partido político, assim daremos mais valor ao nosso dinheiro e ao dinheiro da nossa população.

O que pode mudar em Monchique caso o Movimento seja eleito?

A primeira a mudar é a atitude. O fundamental é sabermos ouvir as pessoas, chamar as que são crítico-construtivas para que nos possam ajudar. As pessoas que são críticas são uma mais-valia. Criticam porque gostam de ver as coisas diferentes, melhores. Quando um político começa a rodear-se de “yes men” quem paga é o povo. O nosso concelho não evoluiu e tem atravessado um deserto. Basta mudar a atitude com que é feita a gestão da Câmara e usar o bom senso para construirmos um concelho saudável, sustentável e amigo do ambiente. Um movimento independente consegue reunir consensos, traçar caminhos e fazer obras muito mais rapidamente.

Obrigado pela conversa.

Desertificação & Entrevista Paulo Alves

A desertificação

de Uwe Heitkamp, Editor da revista ECO123

A vida moderna também já chegou a Monchique há muito tempo, apesar de ainda se encontrarem vivências tradicionais na Serra, a 500 metros de altitude. Ao longo de décadas, vindas de Portimão e de Lisboa, mas também trazidas pelos turistas do estrangeiro, as novidades foram lentamente subindo as colinas e as serras. Com os seus 902 metros de altitude, o cume da Fóia é o segundo ponto mais visitado do Algarve – revela-nos o posto de turismo local.

O melhor exemplo da vida moderna é a moda, com os seus efeitos por vezes erráticos. Agora, as crianças já têm que ter um smartphone quando iniciam a “carreira” escolar, apesar de viverem só a uns metros umas das outras e não precisarem de falar umas com as outras ao telefone. E se Monchique não fosse um lugar tão aborrecido (principalmente depois do incêndio de 2018), tivesse melhores transportes públicos e, pelo menos uma discoteca, um cinema e um teatro? As pessoas justificam a necessidade de ter carro por não haver outra forma de ir até Aljezur. Quem quiser ir de autocarro à praia, em Lagos, tem que fazer o transbordo pelo menos uma vez. Os transportes públicos são complicados, lentos e caros. Ir de Monchique a Portimão assemelha-se a uma viagem à volta do mundo. É uma companhia de transportes monopolista a que faz a ligação, de duas em duas horas, e a viagem custa, entretanto, cinco euros. São só 22 km. É um exagero! Hoje, Monchique está num eclipse cultural e os jovens sentem-se presos entre a modernidade e a tradição. Por isso, a maior parte deles acabam por querer partir daqui. Foi assim durante os últimos 30 anos. E se, de futuro, nada mudar, este êxodo continuará outros 30. Não há postos de trabalho aliciantes por não haver um conceito sustentável ou apoios para a economia. Portanto, toca a sair daqui? Pelo menos agora a política está disposta a debater este tema.

A desertificação

Será que este concelho, que apresentava uma população de 15.000 habitantes em 1990, terá, daqui a alguns anos, umas poucas centenas de residentes? Foi o que aconteceu em Cachopo, a norte de Tavira, e em muitas outras localidades do interior que viram os jovens sair para as cidades. A grande exceção no Algarve é São Brás de Alportel, onde os políticos tiveram a sensibilidade de alargar a oferta educacional e cultural. Conseguiram que São Brás de Alportel crescesse em todos os sentidos. Agora, Monchique tem cerca de 5.000 habitantes. Em 2017, nas últimas eleições autárquicas, dos 5.165 eleitores votaram 3.663, o que corresponde a uma participação eleitoral de 70,92 por cento. A maior faixa etária tem mais de 60 anos de idade. Os jovens abaixo dos 18 anos representam menos de cinco centenas. Já não há liceu. Os estudantes têm que ir a Portimão naquele tal autocarro que para em todo o lado.

Os políticos ainda não encontraram soluções adequadas para este problema. Nada é verdadeiramente cool. Vivem muitos idosos em Monchique, e a Covid-19 espelhou o medo pela serra. Fecharam-se em casa. Foi o que evitou que muitos ficassem gravemente doentes. Mas os idosos sofrem com a solidão. O número de infetados tem-se mantido baixo, se compararmos os números com Quarteira ou Armação de Pera. Ainda prevalece o saber ancestral dos camponeses, que dá alguma segurança e autonomia ao monchiquense. Durante a pandemia ou durante um tremor de terra recordam-se das suas capacidades, acabando por ter vantagens perante os habitantes na cidade. A própria horta, a casa e os animais fornecem alguns bens essenciais, que até sabem melhor do que os que a indústria alimentar oferece nos supermercados. E na aldeia vivem com mais saúde do que na cidade. As casas são térreas.

Mas há a questão do isolamento, agravado pelas péssimas ligações de autocarro para as outras povoações. Obriga a que seja necessário dispor de outro meio de transporte. A oferta da Frota Azul/EVA, de Faro, e o custo dos bilhetes não se compadecem com o que os idosos auferem das suas reformas e o serviço é lento e pouco flexível. Muitos dos autocarros andam vazios, o que não melhora a estatística das emissões. Não há ligação entre Aljezur e Monchique, e entre Monchique e a estação de Santa Clara/Saboia também não. Para ir a Silves, tem que se ir antes a Portimão ou Lagoa. O campo é um mundo diferente. Antes das eleições os políticos prometem tudo e mais alguma coisa, para serem eleitos. Ou então, não têm quaisquer soluções. Soluções práticas e adaptadas aos problemas atuais raramente aparecem. Por isso, pergunto o seguinte:

Por que razão vivemos em comunidade e por que razão estamos na União Europeia? É uma pergunta também colocada por pessoas noutros lugares. Porque a solução para o problema de Monchique talvez exista já em outro lugar. O que falta em Monchique pode já ter sido inventado nos Países Baixos, na Dinamarca, na Áustria ou na Irlanda. Não precisamos de voltar a inventar a roda. O que é possível na Austrália também deveria ser possível realizar em Portugal, certo? O transporte público a pedido é uma ideia, possibilita um transporte simples, económico, e é fácil de concretizar. Não é necessário smartphone ou uma companhia de camionagem lenta. Basta uma central regional de partilha de transportes para fazer a ponte entre os utentes por telefone ou internet.

Transporte público moderno, eficiente e sexy?

Qualquer dos candidatos poderia estudar e analisar o funcionamento de um sistema de transportes públicos orientado nas necessidades da população. O sistema on-demand (a pedido) utiliza pequenos autocarros e viaturas particulares, que não têm rotas ou paragens fixas. As viaturas são distribuídas online ou por telefone, para responder de forma dinâmica às necessidades dos utentes. Para ser mais amigo do ambiente, deveria ser considerada a utilização de viaturas elétricas (está para breve uma edição sobre Monchique – a vila solar). Para usufruir do serviço on-demand, basta os utentes partilharem a hora de partida que desejam e os pontos de partida e chegada, pouco antes de pretenderem deslocar-se. Se surgir uma opção que interesse ao utente, este poderá confirmar o serviço. Os cientistas simularam várias possibilidades: a deslocação a pé, o transporte contratado, o autocarro ou a viatura particular. As possibilidades são analisadas para determinar se vale a pena a implementação de uma central de partilha de transportes. Também analisam o possível crescimento do sistema e a sua capacidade de reação. Os primeiros resultados das pesquisas feitas nos Países Baixos e em zonas rurais da Austrália demonstram que esse sistema público com uma central de partilha de transportes orientada nas necessidades é a solução preferida pelos utentes perante as alternativas do carro particular e do autocarro. Este sistema de transportes também seria mais eficiente e amigo do ambiente.

É isso que pretendem alcançar muitos dos cidadãos nos próximos cinco anos. Uma vida climaticamente neutra e uma mobilidade melhor, mais rápida e menos complicada. Em que século vivem os políticos? O futuro de Portugal e de Monchique é a neutralidade climática. Não queremos ser responsáveis por mais emissões, quer seja através dos incêndios ou devido à mobilidade ou ao consumo de eletricidade. Dos seis, apenas um candidato mostra preocupações com a viabilidade de Monchique no futuro. Na semana que vem faremos o balanço das várias entrevistas. Hoje, apresentamos Paulo Alves, candidato do PS. E no próximo sábado, apresentaremos André Varela, do Partido Comunista Português (PCP, PEV) que, nas eleições de 2017, obteve 4,07% dos votos, ou seja 142. A força partidária vencedora na altura foi o PSD, com Rui André, reeleito no cargo: 1.517 dos 3.663 votos (43,5%). O segundo candidato mais votado em 2017 foi Paulo Alves, do PS, com 1.306 votos, ou seja 37,45%. E é Paulo Alves, que até agora esteve na oposição, que irá hoje responder às nossas questões. Desta vez, pretende ganhar “a corrida”.

Podcast Entrevista com Paulo Alves PS

ECO 123: Quem é Paulo Alves?

Paulo Alves: Chamo-me Paulo Alves, sou candidato à Câmara Municipal de Monchique nas próximas eleições de 26 de setembro, pelo PS. Sou natural de Monchique, aqui nasci há 51 anos, em meio rural, onde vivi até aos 16 anos, sem estradas alcatroadas, energia elétrica, televisão ou telefone. Vivi bem. Sou uma pessoa feliz, amo a minha serra e a vila. Sou casado com a enfermeira Suzel Gamito, com quem tenho dois filhos, um com 22 (que já se licenciou) e outro com 17 anos, e por cá quero continuar, fazendo o melhor pelo concelho e pelas pessoas que nele habitam.

António Costa como Primeiro-Ministro é uma ajuda para que possa vencer estas eleições? 

É o nosso Primeiro-Ministro, líder do PS. Naturalmente que ajuda. Não se deslocou a Monchique, fizemos a apresentação da nossa candidatura no sábado passado, no Largo dos Chorões, esteve presente o Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, e temos todo o apoio do Governo nestas eleições.

 

Nas últimas eleições perdeu contra Rui André. Que motivos o levam a tentar novamente?

Não considero que tenha perdido, teria perdido se lá estivesse. Concorri contra um autarca que se encontrava no poder há oito anos e, mesmo assim, eu e a minha equipa, conseguimos ser a única força política, em 2017, a recuperar força em relação às últimas eleições, num contexto difícil de perca de eleitores, ficando a 200 votos.

Porquê votar PS nestas eleições?

Embora nas eleições autárquicas, por proximidade, se procure ver mais a equipa, as pessoas que a constituem em si, os partidos também são importantes. As pessoas estão num partido porque se identificam com a ideologia do mesmo. O PS é diferente do PSD porque este, de momento, nem é um partido social-democrata, tem outra ideologia… mas o PS é um partido de centro-esquerda, que se preocupa com as pessoas, que tem a capacidade de se colocar no lugar do outro. Identifico-me com isso, é essa a nossa principal preocupação: as pessoas. E é para isso que queremos trabalhar: solidariedade, responsabilidade, respeito, que ninguém fique para trás. Esse é também um dos grandes pilares do Partido Socialista.

Monchique já se encontra empobrecido pelo grande incêndio de 2018. Como candidato, como se propõe travar os futuros incêndios?

Não tenho uma solução milagrosa. A responsabilidade de cada um é algo de muito importante. O mundo começa na nossa rua, na nossa freguesia, no nosso concelho. Temos que começar por algum lado. E na questão dos incêndios fala-se no reordenamento da paisagem, na substituição de espécies… e a questão da prevenção tem que ser fundamental. Um município tem muitas responsabilidades nas questões da gestão, das faixas de contenção, por exemplo; das faixas primárias (responsabilidade do ICNF, mas onde a câmara também pode atuar); nas faixas de gestão secundárias, junto às faixas de comunicação, que a Lei refere que devem ser feitas dez metros para cada lado; a criação de medidas para aqueles proprietários que não cumprem a limpeza à volta das habitações, de grande importância (vimos as inúmeras casas que arderam em 2018, que, por incrível que pareça, passados três anos, ainda estão muitos casos por resolver…). Já se deveria estar a pensar até numa possível solução para as casas que são de segunda habitação. Tudo isso é importante. Mas também nos pontos de água. Seria importante criar uma rede de pontos de água fixos ou amovíveis, envolver as populações.

A questão do programa “Aldeia segura – pessoas seguras”, com unidades locais de Proteção Civil, como funcionou no Alferce (que já estava constituída) e como já funciona em Marmelete, estender isso a outras populações é importante. Mobilizar pessoas para participarem ativamente no processo de proteção civil, porque todos somos Proteção Civil, é esse o meu lema.

A questão dos incêndios florestais também tem muito a ver com a educação. Promover a educação junto dos mais novos, gerir comportamentos…

É claro que as monoculturas – e eu não sou fundamentalista em relação a nada na vida, e muito menos no que se diz em relação aos eucaliptos. Porque considero que há lugar a floresta de produção, há lugar a floresta de espécies autóctones, há lugar a floresta de fruição, mas tudo tem que ser devidamente ordenado e gerido.

Há um outro aspeto fundamental na questão dos incêndios: a deshumanização do território. E sem pessoas no território não se conseguem gerir esses espaços. As pessoas que faziam a sua vida nos territórios florestais, e que tinham esses espaços bem geridos, ordenados, limpos, foram atraídas para os centros urbanos e quiseram manter o mesmo nível de rendimento que tinham; foram plantando e reflorestando, mas sem o devido ordenamento. Cabe às autoridades locais promover essa educação e esse ordenamento.

Por que motivo Monchique perdeu habitantes, nos últimos 12 anos, e São Brás de Alportel, duplicou o seu número?

São situações diferentes. E Monchique não perdeu habitantes apenas nos últimos 12 anos, e sim nos últimos 20, 30 anos.

Brás de Alportel tem beneficiado da proximidade com Faro e do seu desenvolvimento. É bem mais próximo de Faro do que Monchique de Portimão…

Mas que condições oferece Monchique? Escolas com telhados de amianto, onde chove dentro; não existe uma Casa do Povo; não há Cinema ou iniciativas culturais…

Existem coisas básicas que as pessoas procuram, como o acesso à habitação, emprego, saúde, segurança, e depois, o lazer. Tudo isso é importante para fixar cidadãos. Por incrível que pareça, em Monchique não há uma estratégia local de habitação. E este é um estudo que se faz para permitir saber em que áreas devemos intervir, quais são as necessidades do concelho: se na reabilitação dos centros urbanos, se na construção de novos fogos ou noutras situações. Essa estratégia local de habitação é essencial, por exemplo, para que o município se possa candidatar a fundos externos.

Mas há outras situações. Na Saúde, por exemplo, há uma dificuldade enorme na fixação de profissionais, principalmente médicos. Precisamos de fazer alguma coisa, nem que seja encontrar soluções para que o médico que se queira fixar em Monchique tenha uma habitação ao seu dispor. E enquanto sociedade, temos que, dentro do orçamento do município, concordar que isso é importante e tem potencial para nos mantermos e fixarmos aqui.

Para a criação de empregos e a fixação de jovens, incluir jovens recém-licenciados em projetos estruturantes dentro da autarquia também é importante. A maior parte dos jovens que saem têm outros horizontes que Monchique não lhes dá.

Mas também o lazer é importante. Continua a decorrer um programa importantíssimo: o “365 Algarve”, no qual, em Monchique, tivemos a experiência dos espetáculos do “Lavrar o Mar”, que se enraizou já quase dentro da nossa comunidade. Agora, faz falta infraestruturas. Como faz falta uma escola nova, que já deveria estar construída. Em 2015 foi celebrado um protocolo entre a câmara e a Secretaria de Estado do Ensino que previa a construção de uma escola nova, ou a reconstrução daquela, e isso caducou em 2017 e nada foi feito. E era financiada a 50%. Uma escola secundária em Monchique é essencial, bem como a de Marmelete, na qual arrancaram agora as obras para a remoção do amianto, e para a sua requalificação.

O que podemos esperar de Paulo Alves, caso seja eleito presidente de Câmara?

Não procuro protagonismo individual, valorizo muito o protagonismo coletivo. O protagonista principal tem que ser Monchique. Esperem de mim uma pessoa aberta, comunicativa, trabalhadora…

Vamos receber mais eucaliptos ou mais floresta diversificada?

Exageramos um bocadinho na cultura do eucalipto e há zonas no nosso território onde este tem que ser retirado. Noutras, devidamente ordenado, pode ficar, porque cria empregos, desenvolve a economia e tem um peso significativo na mesma. O Plano de Reordenamento da paisagem das serras de Monchique e de Silves prevê a valorização dos socalcos e a remuneração dos ecossistemas – e era bom que pudéssemos colocar isso em prática – que é compensar as pessoas, principalmente os pequenos proprietários – que querem substituir as suas áreas de eucalipto, que já estão abandonadas, que não são rentáveis… por outro tipo de cultura, como o sobreiro, o castanheiro… Este livro, “Subsídios para a monografia de Monchique”, de José António Guerreiro Gascon, escrito em 1940, mostra que existiam em Monchique castanheiros, carvalhos, sobreiros, medronheiros, oliveiras, e até… vinha. Depois, por razões diversas, essas espécies foram-se perdendo e sendo substituídas.

Paulo Alves é bancário de profissão. Imaginemos que tenho 25 mil euros para investir. Como seria melhor investi-los no concelho?

Sou bancário há 27 anos e gerente bancário há sensivelmente 18 anos. Temos que ir pelo caminho que nos distingue, que nos diferencia enquanto concelho: os enchidos, o mel o medronho… Se pretender investir esse dinheiro em sobreiros ou carvalhos só terá um rendimento para os netos…

Quem faz um investimento, ou procura o lucro imediato (e aí, em Monchique, seria difícil), ou então investe numa perspetiva de futuro. A agricultura de proximidade, biológica, as ervas aromáticas, medicinais…

Ou seja, sujar as mãos…

Sim, eu gosto muito de sujar os dedos, as mãos, os pés, as pernas… do investimento ligado à terra…

Tem que ser sempre com transpiração?

Sim, com sangue, suor e lágrimas (risos). O meu avô dizia: “Paulo, nunca te desfaças deste bocadinho de terra, porque ele te vai ser útil em qualquer momento da vida.” Investir também é investir na nossa felicidade, não é apenas investir a nível monetário. Devemos procurar também investir num mundo melhor do que aquele que encontramos, para nós, para os nossos filhos, para os nossos netos…

Vou levar estes 25 mil euros. Compro dois equipamentos com 40 painéis solares, capazes de produzir eletricidade verde que me traz autossuficiência energética. O que pensa de fazermos de Monchique uma vila, um concelho de zero emissões?

Zero-emissões pode ser utópico. Isso faz parte da responsabilidade individual de que falávamos atrás. As energias renováveis e alternativas são importantes e um dos nossos projetos, caso chegue à presidência, passa por promover a eficiência energética nos edifícios municipais. Faz falta em Monchique. Há uma diferença entre a produção doméstica de eletricidade relacionada com os painéis solares e as grandes superfícies, que acabam por ter por base o lucro. Não é que o lucro não seja importante, porque todos procuram ter rendimento. Mas temos que avaliar os impactos ambientais dessas opções, porque também os tem, certamente.

Existe também a energia eólica. Há pouco falávamos na floresta e poderíamos ter falado também na biomassa. Fala-se há muito numa central de biomassa, que poderia aproveitar os sobrantes da floresta e mantê-la limpa

Esse é um projeto que se fala desde o tempo do ex-presidente Carlos Tuta, e nada aconteceu… O que esperar do PS nos próximos quatro anos num planeta cujos recursos são finitos?

A nossa apresentação, lançada no dia 14 – que será divulgada em breve – já revela algumas linhas nesse sentido. Queremos intervir na habitação, no parque escolar, promover o respeito pelo meio ambiente… as alterações climáticas estão aí, é inevitável fugir dessa realidade.

Temos que arranjar estratégias no concelho que nos protejam. Uma das nossas ideias passa por lançar um Fundo de Emergência Municipal, que possa acudir de imediato as pessoas em períodos de catástrofe, ou uma Reserva Municipal, que possa disponibilizar materiais (equipamentos de proteção individual, ou outros)… A nossa política tem por base as pessoas e o seu bem-estar…

Mas, depois do incêndio de 2018, a situação é miserável.

A situação é difícil, é um desespero. A situação económica para quem vivia da floresta – agricultores, silvicultores, apicultores – piorou. Provavelmente, apenas para o ano (passados quatro anos, portanto), é que os produtores de medronho poderão passar a colher de novo frutos de relevo. Houve fundos de apoio – ainda existiram mais de 300 candidaturas na questão da agricultura (e aí o Governo interveio), poder-se-ia ter arranjado outra solução para a questão das pequenas perdas, menos burocrática. Mas, ainda assim, houve muitas candidaturas que foram pagas.

Faz falta em Monchique um Gabinete que apoie as empresas, as instituições no acesso a fundos públicos, a candidaturas – e esta é uma responsabilidade da câmara. Pode ser composto por técnicos camarários, ou exteriores, que envolva os jovens universitários recém-licenciados que possam fazer cá os seus estágios, e que apoiem diretamente a economia do concelho, para que esta possa crescer. É uma das lacunas da própria câmara a incapacidade que teve de ir buscar fundos ao exterior, porque as receitas da câmara não são para investimento. É claro que há que fomentar a questão do mel, do medronho, das ervas aromáticas e medicinais, do turismo de natureza. O desenvolvimento para Monchique tem que ser sustentável e de respeito pelo meio ambiente.

O que está por detrás da palavra sustentabilidade? Há dois anos perdemos o IMT de quase 500 mil euros na venda das Caldas de Monchique. O PS votou a favor desta medida na Assembleia Municipal. Qual é a sua posição?

Quando o projeto surgiu na câmara, os vereadores do PS votaram contra. A proposta levantava-nos dúvidas. A proposta foi melhorada pela empresa, apresentada à Assembleia Municipal, e foi aprovada, não só com os votos do PS, houve votos favoráveis das outras forças políticas, da CDU ao PSD. Temos que desmistificar essa ideia de que perdoamos. O município nunca recebeu qualquer imposto deste empreendimento, porque antes era uma fundação. E também temos que apoiar quem quer investir em Monchique.

Mas não criou emprego…

Mas faz falta uma coisa, um regulamento de apoio ao investimento, para que quem investe saiba com o que conta, e quem apoie, veja salvaguardado o que está regulamentado.

E em relação ao investimento que foi feito nas Caldas de Monchique… a empresa investiu em 2017, quando compraram o complexo; em 2018 tiveram o incêndio, agora atravessaram uma pandemia, foram, portanto, confrontados com situações que talvez os possam ter impedido de avançar com o plano de negócios pensado.

Mass a Câmara perdeu um valor em impostos de IMT.

Não recebeu porque há essa prorrogativa que, em termos de Assembleia Municipal, se pode conceder esse perdão, e a empresa comprometeu-se a passar a sede aqui para Monchique, e aqui pagar os seus impostos, e comprometeu-se com os postos de trabalho, mas há sempre imponderáveis.

Também temos que pensar mais além. Como estavam as Caldas antes desta compra? Estavam ao abandono. E temos um exemplo próximo do complexo de turismo que é o engarrafamento das Caldas, que tem tido um sucesso tremendo, e na qual existem sócios comuns entre as duas empresas. Provavelmente se, daqui a uns anos, as Caldas de Monchique crescerem e se rejuvenescerem, criando um complexo turístico-termal de relevo, poder-se-á constatar que foi bem empregue essa isenção do IMT.

O cidadão decidirá com o seu voto no dia 26 de setembro.

É sempre o cidadão que decide. Mas este também tem que ter a noção de que, tal como quem é eleito tem a sua responsabilidade, quem elege também o tem.

Obrigado.